
José Bento da Rocha durante evento do projeto Produtor de Água do Pipiripau
Terceira reportagem da série mostra a perspectiva do ex-coordenador do projeto José Bento da Rocha, que passou seis anos à frente do Produtor de Água do Pipiripau
Ainda que sob o olhar desconfiado dos produtores, primeiros cinco anos de existência do projeto Produtor de Água do Pipiripau foi celebrado com conquistas importantes de divulgação da proposta e de crescimento no número de contratos. O ex-superintendente de Planejamento e Programas Especiais na Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do Distrito Federal (Adasa), José Bento da Rocha, conta sua perspectiva sobre os desafios do período inicial.
Integrante do Produtor de Água do Pipiripau durante sete anos, seis deles na posição de gestor, Bento – como gosta de ser chamado – conta que o principal desafio durante sua gestão foi conquistar a confiança dos agricultores. Por ser uma ação de adesão voluntária, fazer os produtores apostarem no projeto foi uma das fases mais importantes como primeiros resultados.
“Eu assumi a gestão no final de 2014, com um cenário um pouco mais organizado do que nos primeiros anos”, afirma Bento, referindo-se principalmente ao processo de contratação de agricultores. Segundo ele, além da desconfiança natural do agricultor em relação ao Estado, o projeto trazia instituições conhecidas pelos produtores por seu papel fiscalizador.
“O principal desafio foi levar essa confiança para o agricultor, de que estávamos ali como um grupo de parceiros que não tinha o objetivo de fiscalizar, mas sim de fazer uma parceria em busca de uma melhoria para a região”, explica. Aos poucos, o projeto conseguiu essa confiança e o resultado disso foi uma guinada no número de contratos no decorrer dos anos em que Bento atuou como gestor. De cerca de 25 contratos no início de sua gestão, quando Bento deixou o projeto em 2019, havia cerca de 160 contratos assinados.
De acordo com ele, vários fatores contribuíram para esse crescimento no número de contratos, desde movimentos internos na Adasa, que criou uma unidade específica para coordenar projetos especiais e entre eles o Produtor de Água, até a obtenção de recursos com a Caesb para garantir a assinatura de novos contratos.
“Foi um conjunto de fatores [que levou a esse resultado]. Entre eles, o de ter estabelecido uma relação de confiança com o agricultor”, destaca.
Crescido no município de Goiás Velho, em Goiás, onde ajudava seu pai com ações na área rural e questão de vacinação do gado, ele conta que, desde aquela época, o pai tinha a visão de que o governo vinha para prejudicar e não para ajudar. Então, com receio da ação do estado, quando vinha o censo rural ele, criança, perguntava: “Pai, é pra gente mentir ou falar a verdade?”, conta.
“Por já ter vivido o lado de lá, acho que foi um pouco mais fácil pra mim essa aproximação para estabelecer essa confiança”, afirma. Bento conta um episódio que ilustra essa conquista de confiança, durante o projeto.
“Em 2017, no auge da crise hídrica, era um sábado de manhã, eu estava em casa brincando com meus filhos, e um diretor da Adasa me liga dizendo que teríamos que fechar o canal Santos Dumont”, relembra. Segundo Bento, na ocasião estava faltando água na cidade de Planaltina e, seguindo a legislação, a Adasa havia provocado o fechamento do canal para disponibilizar água para a população.
Havia relatos, no passado, em que o responsável por fechar o canal foi hostilizado pelos produtores com ameaças e até pedradas. Na ligação disseram a ele: “Nós pensamos aqui e achamos que você é a pessoa que consegue fazer esse diálogo e suavizar essa notícia triste junto aos agricultores”, ouviu Bento.
No mesmo instante, Bento ligou para o presidente da associação e outras lideranças do Pipiripau, fez uma conversa franca e aberta com os agricultores e assim conseguiu passar pelo período crítico de fechamento do canal de forma mais tranquila. “Para mim foi uma situação bem relevante, que deu certo”, conta o ex-superintendente.
Se por um lado sua experiência trouxe ganhos para o projeto, Bento conta que o projeto também agregou muito em sua experiência de vida pessoal. Assim que assumiu a gestão do Produtor de Água também começou a se envolver com os preparativos do Fórum Mundial da Água de 2018.
“Apresentei o projeto em vários lugares e vários países ao longo dessa caminhada na organização do Fórum Mundial da Água, entre 2015 e 2018”, conta. Passou por vários lugares, em vários países. Duas vezes na Colômbia, duas vezes na argentina, duas vezes no Equador, Austrália, México. O projeto foi apresentado também no Japão, pela colega Vanessa, e na Suécia, pelo Jorge Werneck.
“Também apresentei na França como uma proposta de doutorado, que tecnicamente foi aprovado”, mas, por diversas questões, Bento relata que acabou desistindo do doutorado.
Segundo ele, vários pesquisadores fizeram mestrado e doutorado na bacia, o que rendeu a participação em publicações. “Temos relatos de ações do projeto em quatro livros: um ebook feito pela Adasa sobre o Produtor de Água Mirim, o livro de 5 anos do projeto e mais duas publicações fora do Brasil”, afirma.
“O projeto, para mim, foi realmente uma oportunidade de experimentar verdadeiramente a mão dupla: o que eu pude levar e o que eu pude ganhar foi muito equilibrado”, comemora.
Atualmente trabalhando na Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado de Goiás (Semad), ele continua acompanhando o projeto e torcendo pelo sucesso das ações no Pipiripau.
“Desejo vida longa ao projeto e que do lado de cá eu consiga contribuir pra gente agregar com a parte que está no Estado de Goiás”, afirma.